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“80% das denúncias de abuso são falsas”: o alerta de uma juíza em varas de família

Vamos começar do ponto que ninguém quer encarar de frente. Não é o “Sem Travas na Língua” que está dizendo, não foi canal de opinião, não foi “blog revoltado de pai separado”. Foi uma juíza. Vara de família, vara de violência doméstica, chão de fórum. Jaqueline Cherulli disse o seguinte:

“A gente se espantava muito com algumas denúncias e também com algumas denúncias na vara de violência doméstica, mas o tempo nos levou a verificar o tempo e a estatística. 80% das denúncias de abuso são falsas no Brasil. Isso é uma luz que acendeu de alerta imensa, do tamanho do sol. Não vamos embarcar e também não vamos negligenciar, lógico, as denúncias, mas vamos passar a olhá-las já com experiência de quem tem uma estatística de 80% de falsas denúncias.”

Pare e leia de novo. Uma juíza diz que, pela experiência dela e pelas estatísticas que ela mesma acompanha no dia a dia, oito em cada dez denúncias de abuso (em disputas familiares, guarda, violência doméstica) são falsas. Não “mal explicadas”. Falsas. E ela ainda chama isso de “alerta do tamanho do sol”.

Agora note a parte final do que ela fala, porque ela não é irresponsável: “não vamos embarcar em qualquer denúncia, mas também não vamos negligenciar”. Traduzindo: ela não está dizendo “ignora a vítima”. Ela está dizendo “a quantidade de denúncia plantada ficou tão alta que eu já não posso mais fingir que todo relato que chega está de boa-fé”. Isso, vindo de quem está no front, é gravíssimo. E é exatamente por isso que incomoda tanto.

Porque toda vez que alguém da ponta — juiz de família, psicóloga forense, defensor público, promotor — resolve falar do que realmente vê, o sistema reage sempre do mesmo jeito: chama de “exagero”, chama de “caso isolado”, diz que é “percepção pessoal”, “anecdotal”, “não científico”. É curioso: quando o discurso é confortável politicamente, a mesma experiência de campo vira “dado qualitativo relevante”. Quando não é confortável, vira “achismo”. A régua muda conforme a conclusão.

Vamos falar com frieza. Existe, sim, um buraco gigante entre a realidade que essas varas veem todo santo dia e aquilo que aparece bonitinho nas estatísticas oficiais. E esse buraco tem nome: subnotificação por conveniência institucional. Vou explicar.

Quando alguém acusa o ex de abuso (físico, psicológico, sexual, etc.) no meio de disputa de guarda, o efeito é imediato. Protetiva. Afastamento. Restrição de contato. Às vezes afastamento dos filhos. A vida do acusado muda naquela noite. Depois começam as perguntas, as perícias, os laudos. E uma parte enorme desses casos, segundo quem vive isso na prática, cai mais tarde porque simplesmente não se sustenta. A história não fecha. O horário não bate. A criança claramente repetiu o que ouviu. A narrativa muda toda vez que é perguntada. Tem contradição básica de tempo e lugar. Enfim: dá para ver que foi montado.

E o que acontece com esses casos? Eles são arquivados. E o que o sistema marca no banco de dados? “Arquivado”. Pronto. Acabou. Não entra como “falsa denúncia”. Não entra como “acusação fabricada”. Não entra como “acusação instrumentalizada para litígio”. Some na categoria neutra e covarde: “não deu pra comprovar”.

Esse truque é muito conveniente. Porque, veja: se você não classifica oficialmente “foi falso”, você pode continuar repetindo em público que “falsa denúncia é rara”. Rara onde? Na planilha que você mesmo preencheu evitando usar a palavra “falso”, claro. Enquanto isso, quem está na sala de audiência sabe perfeitamente separar “não conseguimos provar” de “isso aqui foi inventado para destruir o outro lado”. A juíza sabe. A psicóloga forense sabe. O promotor sabe. A defensoria sabe. O discurso oficial sabe também — só prefere fingir que não sabe.

É disso que a fala dela está tratando. Não é que de repente surgiu uma epidemia de gente boa inventando números irresponsáveis. O que está acontecendo é outra coisa: o nível de abuso instrumental da máquina judicial em contextos de separação e disputa de guarda ficou tão absurdo que quem trabalha lá dentro já não consegue mais engolir calado. E aí dá número. “80%”. É bruto? É. Choca? Choca. Mas o recado não é o número em si. O recado é: a situação passou de qualquer limite aceitável.

E tem a parte humana, que é a mais feia. Porque isso não é só briga de adulto. Criança entra nessa guerra. Criança é colocada para repetir frase que não entende. Criança vira prova viva. E depois que o negócio desaba e se vê que aquilo não existiu, essa mesma criança fica com a cabeça partida no meio: “meu pai fez ou não fez aquilo que minha mãe dizia que fez?”, “minha mãe mentiu para me afastar do meu pai?”, “eu menti pra um juiz?”. É um trauma fabricado. É engenharia de dor. Isso é abuso emocional de criança, e quase nunca é tratado como tal.

O acusado também vira entulho social. Afastado de casa, queimado no trabalho, visto como monstro pela família, com fama que não apaga nunca mais — porque mesmo quando a acusação morre, ela nunca morre publicamente, só morre burocraticamente. O arquivamento é silencioso, mas o rótulo “abusador” é barulhento. E adivinha? Isso não entra estatisticamente como “dano causado por falsa denúncia”. Isso entra como nada.

E é aqui que o debate costuma ser sabotado de propósito. Sempre que você fala em falsa denúncia, alguém responde “ah, então você quer desproteger mulheres e crianças” — como se apontar abuso do sistema fosse automaticamente negar abuso real. Isso é intelectualmente desonesto. A própria juíza deixa claro: ninguém está dizendo “desacredite toda denúncia”. O que ela está dizendo é “pare de fingir que toda denúncia é sagrada e automática, porque nós já estamos vendo que uma parte enorme é fabricação”.

O que ela está pedindo, na prática, é responsabilidade. Responsabilidade de quem acusa, responsabilidade de quem defere medida, responsabilidade de quem arquiva fingindo que nada aconteceu. Responsabilidade de dar nome correto aos desfechos. Porque hoje o Estado adora o cinza. “Arquivado” resolve tudo. Resolve para ele, claro — que não precisa assumir que autorizou, na marra, uma bomba emocional e social em cima de uma pessoa talvez inocente. Resolve para quem fez a falsa denúncia — que dificilmente sofre consequência alguma depois. Quem não resolve é para quem teve a vida quebrada no meio do processo, para a criança que virou munição e para a confiança geral no sistema de proteção.

Quer consertar? Então pare de empurrar para baixo do tapete. Registre o desfecho com nome. “Comprovado”. “Não comprovado ainda, segue investigação”. “Falso / Invenção”. “Confessou que inventou”. “Indícios de instrumentalização para disputa de guarda”. Isso precisa existir. Precisa virar número público. Precisa virar relatório com série histórica. Só assim o debate sai do “acho” e entra no “está acontecendo e aqui estão os dados”.

Enquanto isso não existir, desculpa, mas eu vou ficar com quem está lá dentro olhando o estrago todo dia, e não com a nota polida de assessoria tentando salvar imagem institucional. Porque, do jeito que está, a mensagem é muito clara: tem muita gente usando o sistema de proteção — que deveria existir para proteger quem realmente está em risco — como arma de vingança de relacionamento. E quem está dizendo isso não sou eu, é uma juíza, em voz alta:

80% das denúncias de abuso são falsas no Brasil. Isso é uma luz que acendeu de alerta imensa, do tamanho do sol.”

Quando o alerta é “do tamanho do sol” e o sistema responde com “não temos dados oficiais sobre isso”, desculpa, mas o problema não é quem gritou. O problema é quem continua fingindo que está tudo normal.

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