Por que o discurso “homem não presta” piora a vida de quem mais diz querer proteção
Se você passa alguns minutos em redes sociais, é questão de tempo até encontrar variações de:
“Homem não presta.”
“Todo homem é um potencial agressor.”
“O erro da mulher é confiar em homem.”
Muitas dessas frases nascem de dor real: mulheres que apanharam, foram traídas, abusadas ou invisibilizadas. O problema é quando essa dor vira discurso de ódio generalizado contra todos os homens, como se metade da humanidade pudesse ser jogada no mesmo saco.
O que parece uma “defesa das mulheres” acaba virando uma armadilha:
esse tipo de discurso não protege mulheres – e, muitas vezes, volta justamente contra elas.
Este texto é sobre isso:
como o ódio aos homens, embalado em slogans bonitos, alimenta um ambiente de guerra entre sexos e, no final, deixa todo mundo mais vulnerável.
Misoginia, misandria… e o ciclo de ódio
Já estamos acostumados a ouvir falar de misoginia: ódio ou desprezo pelas mulheres.
Muito menos se fala de misandria, o ódio ou desprezo pelos homens.
As duas coisas são formas de preconceito. As duas criam estereótipos, caricaturas, desumanização. E, principalmente, as duas alimentam um ciclo:
- de um lado, homens que enxergam mulheres como interesseiras, manipuladoras, inimigas;
- do outro, mulheres que enxergam homens como monstros, potenciais agressores por natureza.
Quando as duas narrativas se encontram, o resultado não é justiça.
É guerra.
Brigas de casal não nascem do nada
Aqui entra um ponto que quase ninguém tem coragem de tocar, mas que todo mundo já viu acontecer em restaurante, bar, festa, fila de mercado:
- discussões que começam em provocação verbal;
- xingamentos, humilhações públicas, ironias;
- empurrões, tapas “de leve”, copo jogado, dedo na cara.
E, sim, muitas vezes quem inicia esse tipo de agressão é a mulher.
Não porque “mulher é pior”, mas porque o contexto cultural atual passa uma mensagem clara pra muita gente:
“Você pode falar o que quiser, ele não vai poder reagir.
Se ele responder, é agressor. Se você passar do ponto, é ‘briguinha doméstica’.”
Muitos homens engolem em seco, ficam quietos, mudam de assunto.
Até que algum perde a cabeça, reage – e aí o estrago é muito maior, justamente porque:
- em média, ele tem mais força física;
- a reação dele é lida como “violência séria”, enquanto tudo o que veio antes foi tratado como “temperamento forte”, “mulher estressada”, “cena de novela”.
Isso NÃO torna a agressão masculina aceitável.
Mas deixa claro que a história não começa no primeiro soco: muita relação vive numa escalada de violência psicológica e pequenas agressões físicas dos dois lados, ignoradas até explodir.
O que as estatísticas mostram… e o que elas escondem
Quando olhamos os dados oficiais, o cenário é o seguinte:
- grande parte da violência acontece dentro de casa;
- em registros de lesão grave e de morte, as principais vítimas são mulheres;
- feminicídios, por definição, são mortes de mulheres em contexto de gênero.
Logo vem a frase pronta:
“Ou seja, o problema é o homem.”
Só que as estatísticas mostram principalmente o final da escalada, não o filme inteiro.
Pesquisas sobre violência de casal indicam que:
- em muitos relacionamentos violentos, a agressão é bidirecional – os dois agridem, ainda que de formas diferentes;
- mulheres usam tanta ou mais agressão psicológica (xingamento, humilhação, manipulação emocional) quanto homens;
- em vários estudos populacionais, elas relatam níveis semelhantes ou até ligeiramente maiores de agressão física leve (tapas, empurrões, jogar objetos);
- quando a coisa chega à lesão séria, quem aparece mais como vítima é a mulher – por dois fatores óbvios: diferença de força física e maior probabilidade de denunciar.
Ou seja:
- a escalada de violência costuma existir dos dois lados;
- o sistema enxerga, registra e viraliza a ponta mais destrutiva, onde o dano pesa mais pro lado delas.
Ao mesmo tempo, a violência que muitos homens sofrem – especialmente psicológica – segue invisível, ridicularizada, chamada de “mimimi de macho frágil”. Muitos sequer cogitam ir à polícia ou procurar ajuda, porque sabem que dificilmente serão levados a sério.
O resultado é perverso:
a parte da história que conta contra o homem aparece em todas as manchetes;
a parte da história onde ele foi humilhado, provocado e até agredido antes fica restrita à mesa do bar.
A mulher provocadora e o homem “monstro”: papéis que se alimentam
Não estamos mais no século XIX, com a caricatura da “mulher recatada, calada e obediente” apanhando em silêncio sem nunca abrir a boca.
Hoje, em muitos casos:
- ela provoca, xinga, humilha, ameaça (“vou acabar com você na Justiça”, “ninguém vai acreditar em você”, “vou tirar seus filhos”);
- ele engole por um tempo, tenta se controlar, sente que não tem espaço pra reagir, porque qualquer resposta mais dura pode virar prova contra ele.
Quando ele finalmente perde o controle e parte para uma agressão mais forte, o roteiro fica assim:
- toda a escalada anterior vira ruído;
- o que conta é a última cena, onde o mais forte fisicamente causa mais dano;
- a sociedade inteiro enxerga um “monstro” e uma “vítima absoluta”.
De novo: isso não significa que a mulher “mereceu apanhar”.
Significa que, se queremos reduzir violência de verdade, não dá pra higienizar o papel feminino na escalada da agressão nem fingir que só existe um tipo de violência digno de repúdio.
Ignorar a parte em que ela agride é uma forma de infantilizar a mulher, tratá-la como incapaz de ser moralmente responsável pelas próprias atitudes.
E mulher não é criança: sabe muito bem o peso das palavras e o estrago que uma humilhação bem feita pode causar.
Quando o ódio aos homens alimenta a “manosfera”
Agora coloque nessa equação o discurso diário de que:
- “homem é lixo”;
- “todo homem é abusador em potencial”;
- “homem bom é homem morto”;
- “garoto já nasce opressor”.
Homens feridos, humilhados, que já vivem relações conflituosas, vão procurar onde se sentir ouvidos. E o que eles encontram com facilidade?
- grupos, fóruns e canais que misturam desabafo legítimo com ódio escancarado às mulheres;
- narrativas de vingança, desumanização feminina, estratégias de manipulação.
É a chamada “manosfera”: um universo virtual onde a frustração vira combustível para misoginia organizada.
Quem você acha que sofre primeiro o impacto disso?
- A “ideologia”?
- O “patriarcado”?
Não.
Quem sofre são as mulheres reais que se relacionam com esses homens:
- parceiras, esposas, namoradas, ficantes;
- filhas e enteadas;
- colegas de trabalho, alunas, vizinhas.
O ódio que começou “para defender mulheres das injustiças dos homens” volta em forma de:
- homens cheios de ódio às mulheres;
- mulheres cada vez mais desconfiadas de qualquer homem;
- relações íntimas contaminadas por paranoia, ressentimento e medo.
O lado invisível: homens que apanham calados
Outro ponto varrido pra debaixo do tapete é a violência sofrida por homens.
- Homens também são humilhados, ameaçados, manipulados emocionalmente.
- Homens também apanham de parceiras, levam tapa, arranhão, objeto na cabeça, mordida.
- Homens também têm medo de perder filhos, de ter a vida destruída por uma acusação, de ser ridicularizados pelo sistema.
Só que o homem vítima:
- tem vergonha de se assumir como tal (“como assim apanhar de mulher?”);
- sabe que muito policial, funcionário de delegacia e até familiar vai rir da cara dele;
- entende que, se revidar, quem vai sair algemado é ele.
Então ele engole.
E quando parte desse grupo resolve explodir, não explode só contra a ex-companheira. A raiva acaba projetada em todas as mulheres.
Em vez de encarar essa dor de frente, o discurso oficial prefere fingir que ela não existe.
Só que dor ignorada não desaparece: ela apodrece e volta em forma de ressentimento, ódio e, às vezes, violência.
Quem paga a conta?
De novo: mulheres reais, que cruzam o caminho de homens já contaminados por essa mistura de ferida, injustiça e narrativa de guerra.
Ódio não protege mulheres. O que protege?
Se o objetivo fosse realmente proteger mulheres, o foco estaria menos em meme de “homem é lixo” e mais em:
- políticas públicas sérias, com investigação decente e punição proporcional para quem agride – seja homem, seja mulher;
- canais de acolhimento que enxerguem vítimas de ambos os sexos, sem ridicularizar homem que denuncia;
- programas de prevenção que tratem de álcool, drogas, ciúme doentio, histórico de trauma e outros gatilhos reais de violência;
- justiça que não seja teatro, nem para um lado, nem para o outro – que não transforme toda palavra feminina em prova absoluta, nem ignore denúncias reais.
Nada disso exige negar que mulheres ainda são maioria entre as vítimas de lesão grave e de morte em relacionamentos.
Mas exige reconhecer que:
- há muito mais coisa acontecendo antes da estatística;
- há muita violência partindo também de mulheres;
- há muito homem sangrando por dentro e sendo incentivado a calar.
Ódio generalizado não conserta isso.
Só joga gasolina na fogueira.
Dá pra defender mulheres sem odiar homens
Defender mulheres – de verdade, e não por likes – passa por alguns gestos simples, mas difíceis:
- Atacar o comportamento, não o sexo.
Condenar agressão, humilhação, abandono, seja de quem for.
Em vez de repetir que “todo homem é agressor” ou que “toda mulher é santa”. - Reconhecer responsabilidade feminina na escalada de conflitos.
Admitir que muitas mulheres também ofendem, provocam, agridem, manipulam – e que isso também é violência.
Não pra justificar soco de ninguém, mas pra tratar adulto como adulto. - Abrir espaço pra dor masculina sem ridicularizar.
Permitir que homens falem quando apanham, quando são ameaçados, quando têm medo.
Porque homem que não pode falar da dor vira uma bomba-relógio. - Fortalecer mulheres para escolher melhor e sair quando precisar.
Informação, independência, rede de apoio, amparo jurídico decente.
Tudo isso protege mais do que a fantasia de que “a lei está sempre do lado delas” e que nada pode atingi-las. - Enxergar aliados em vez de inimigos.
Tem muito homem que quer ser pai presente, marido decente, parceiro justo.
Empurrá-lo pro mesmo saco dos piores é desperdiçar aliados e empoderar justamente os radicais.
Conclusão: não é guerra, é sanidade
Transformar “os homens” em vilões oficiais pode dar sensação de poder por alguns minutos, render aplauso em rede social e likes indignados.
Mas, no mundo real, isso:
- aumenta o ressentimento masculino;
- alimenta comunidades de ódio;
- valida mulheres abusivas;
- e deixa as relações ainda mais tóxicas e perigosas.
No fim, quem continua apanhando – física e emocionalmente – são pessoas de carne e osso:
mulheres, homens, crianças que crescem assistindo a tudo isso como se fosse o normal.
Se a ideia é mesmo proteger mulheres, o caminho não é repetir que “homem é lixo”.
É encarar a verdade inteira: de que existe violência dos dois lados, de que a força física pesa, de que a Justiça enxerga só o final da história, e de que transformar metade da população em inimigo nunca foi um bom projeto de sociedade.
O ódio tem alvo aparente, mas estilhaço real.
E, do jeito que as coisas estão, quem mais está tomando esses estilhaços são justamente aquelas em cujo nome se diz estar lutando.





