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Bolsonaro preso: decisão atropela a lógica jurídica?

Vamos falar sem rodeios: a prisão de Jair Bolsonaro, decretada no sábado, um dia antes de seus recursos serem julgados, levanta dúvidas sérias sobre proporcionalidade, coerência e até mesmo respeito ao devido processo legal.
E tudo isso baseado em três pilares que, quando examinados com lupa, não se sustentam:

  1. suposta violação de tornozeleira às 00h08,
  2. risco de fuga,
  3. uma vigília religiosa, e não política, marcada para horas depois.

Vamos por partes.

1. Vigília religiosa vira “risco de fuga”? Desde quando?

O relato oficial fala que a Polícia Federal mencionou “movimentação de apoiadores”, e o ministro Alexandre de Moraes apontou que isso poderia facilitar fuga.

Mas há um problema enorme aqui:

A vigília era religiosa

Não era ato político, não era barricada, não era tumulto.
Era vigília de oração, algo coerente com o forte viés religioso do próprio Bolsonaro e de seus apoiadores.

E cabe a pergunta, que qualquer jurista sério faria:

Quando uma vigília religiosa passou a ser considerada ameaça à ordem pública?

A liberdade religiosa e a liberdade de reunião são direitos fundamentais, previstos na Constituição (artigos 5º, VI e XVI). Uma vigília religiosa, pacífica, não viola ordem pública e não revoga direitos fundamentais.
Se autoridades considerarem qualquer reunião como risco, o direito vira mera concessão do juiz — e isso não é constitucional.

Mais grave: a vigília ocorreria horas depois da suposta violação.
Ou seja: não guarda qualquer contemporaneidade causal com a suposta tentativa de fuga.

2. Suposta violação às 00h08. E daí surgiria um plano de fuga?

Segundo o relatório, houve tentativa de violação da tornozeleira às 00:08.
Ok. Agora vem o problema:

A partir desse único registro técnico, sem contexto ou explicação sobre falha de sinal, interferência ou erro do dispositivo — que são comuns — concluiu-se que Bolsonaro planejava fuga.

Só que:

  • ele já era vigiado constantemente pela polícia;
  • tinha comorbidades graves (questões cardíacas, renais e limitações físicas já amplamente documentadas);
  • e não apresentava qualquer histórico recente de descumprir ordens judiciais.

Como um homem nessa condição, sob vigilância, realizaria fuga cinematográfica no meio da madrugada?
Onde está o fato concreto que transforma esse registro em “intenção”?

A decisão fala em “indícios”, mas não apresenta:

  • tentativas de deslocamento,
  • contatos logísticos,
  • carros,
  • maletas,
  • rotas,
  • nada.

É como presumir culpa a partir de um pixel na tela.

3. A regra jurídica ignorada: para preventiva, precisa fato novo E grave

A prisão preventiva é medida extrema, só usada quando:

  • há fato novo,
  • há risco concreto,
  • e medidas alternativas são insuficientes.

Aqui, absolutamente nada disso se confirma.

E mais: Bolsonaro já cumpria prisão domiciliar, já estava sob monitoramento, já estava sob controle do Estado.

Ou seja:

O Estado já tinha plenas condições de garantir o cumprimento da lei sem precisar prendê-lo preventivamente.

Não havia contemporaneidade entre fato e decisão.
Não havia proporcionalidade.
E não havia motivo urgente para prisão no sábado, quando seus recursos seriam julgados na segunda.

4. O argumento de Fux — ignorado, mas tecnicamente sólido

No julgamento do suposto golpe, o ministro Luiz Fux deixou claro em seu voto:

  • que as provas não demonstravam liderança direta de Bolsonaro em atos violentos,
  • que havia interpretações excessivas sobre atos de fala,
  • e que o núcleo acusatório era frágil.

Sua análise apontava para insuficiência probatória.
Essa linha de raciocínio reforça a crítica atual: se a própria condenação já era juridicamente controversa, ainda mais controverso é usar essa condenação como pano de fundo para justificar nova punição antecipada (prisão preventiva).

5. A pergunta que expõe o problema: por que não esperar até amanhã?

Este é o ponto fatal da lógica jurídica:

Se os recursos seriam julgados no dia seguinte, por que decretar prisão na véspera?

Qual era a urgência?

  • Bolsonaro estava em casa.
  • Monitorado.
  • Doente.
  • Acompanhado pela polícia.
  • E sem qualquer movimento concreto de fuga.

A decisão não explica essa urgência.
E quando uma decisão judicial não responde claramente ao “por quê agora?”, ela toca o terreno da arbitrariedade — a pior inimiga do Estado de Direito.

6. O direito não trabalha com “talvez”. Mas a decisão trabalhou.

Para prender preventivamente alguém — muito mais um ex-presidente — o direito exige:

  • fatos,
  • provas,
  • motivos concretos.

Mas o que se viu foi:

  • uma falha técnica transformada em fuga hipotética,
  • uma vigília religiosa tratada como complô,
  • uma decisão tomada quando não havia risco iminente,
  • e um julgamento de recursos marcado para o dia seguinte.

É justamente isso que gera a sensação — jurídica, não política — de que a prisão foi desproporcional e precipitada.

Conclusão sem travas na língua

A prisão preventiva de Bolsonaro:

  • não respeita a proporcionalidade,
  • não respeita a contemporaneidade,
  • não se baseia em risco concreto,
  • interpreta uma vigília religiosa como ameaça,
  • e antecipou uma decisão que poderia ser tomada com base nos recursos do dia seguinte.

Do ponto de vista jurídico — estritamente jurídico — trata-se de uma decisão profundamente contestável e, na visão expressa aqui, incompatível com o princípio da legalidade.

Não se trata de defender pessoas.
Trata-se de defender processos.
E quando o processo falha, o Estado de Direito falha junto.

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