Home / Sociedade / Quando o pai não desiste do filho, mas cansa da briga

Quando o pai não desiste do filho, mas cansa da briga

Há uma frase que muita gente repete com ar de sabedoria:

“Pai que some é porque nunca ligou de verdade pro filho.”

Bonita, simples, confortável. E profundamente injusta em muitos casos.

Na vida real, existe um número silencioso de pais que não desistem dos filhos, mas acabam desistindo da briga: da batalha judicial interminável, da humilhação constante, da sensação de falar com uma parede quando tentam fazer valer um direito básico de convivência. E, muitas vezes, essa desistência não é só por “cansaço emocional”, mas porque o bolso não aguenta mais: advogado é caro, processo é caro, deslocamento é caro.

Este texto é sobre eles.

Um sistema criado para proteger, mas que às vezes sufoca

É impossível falar disso sem reconhecer o óbvio:

  • o Brasil tem um histórico brutal de violência doméstica contra mulheres;
  • a Justiça de Família foi, em grande parte, moldada sob a lógica de proteger a mulher e as crianças de homens violentos e irresponsáveis.

Durante décadas, a cultura jurídica brasileira praticamente naturalizou que a guarda ficasse com a mãe, e o pai surgia como figura de “coadjuvante de fim de semana”. Só mais recentemente a guarda compartilhada virou “regra” na lei, justamente para tentar equilibrar esse cenário.

Na prática, porém, a tal regra muitas vezes morre no papel. O que ainda se vê, em muitos casos, é:

  • guarda unilateral para a mãe;
  • pai transformado em visitante quinzenal;
  • qualquer conflito um pouco mais sério sendo usado como justificativa para afastar o pai “por segurança”, mesmo sem histórico de violência real, mas com muita briga, ressentimento e disputa de narrativa.

E é aí que o que era proteção necessária em muitos casos vira superproteção automática em outros, atingindo pais que não são o monstro do imaginário coletivo.

Quando a mãe resolve dificultar: o poder de quem está com a guarda

Existe uma coisa que os textos bonitinhos sobre “família moderna” quase não falam:
quem tem a guarda tem o poder do cotidiano.

Mesmo com discurso de igualdade e leis falando em “melhor interesse da criança”, na prática quem está com a criança no dia a dia controla quase tudo: horários, rotinas, narrativas e, muitas vezes, o acesso.

Isso pode se manifestar de forma sutil:

  • “Hoje não dá, ele está gripado.”
  • “Ela não quer ir, ficou triste.”
  • “Você não pagou tal coisa, então não vem buscar.”

Ou de forma escancarada:

  • mudança de cidade sem acordo real, só “comunicando”;
  • recusa sistemática em facilitar transporte, mesmo sabendo que o outro não tem condições financeiras;
  • campanha constante contra o pai na cabeça da criança – o que a literatura chama de alienação parental, uma forma de violência psicológica que machuca tanto o filho quanto o genitor afastado.

Os estudos sobre alienação parental são claros:

  • ela dilacera o vínculo afetivo;
  • aumenta risco de ansiedade, depressão, baixa autoestima nas crianças;
  • e, a longo prazo, pode deixar marcas profundas na capacidade de confiar e se relacionar na vida adulta.

O que se fala pouco é que esse processo também adoece o pai alienado – e não só emocionalmente, mas também financeiramente.

O lado invisível: pais quebrados por dentro… e por fora

Quando a Justiça desenha um regime de visitas que parece bonito no papel, mas ignora a realidade, o resultado é cruel.

Pensa num cenário muito comum:

  • o pai já paga pensão certinha todo mês;
  • mora longe da ex-companheira;
  • trabalha muito para manter o básico: aluguel, contas, comida;
  • de repente, a mãe muda de cidade de vez;
  • as visitas semanais que eram possíveis passam a depender de viagem, gasolina, passagem, hospedagem.

No papel, o pai continua tendo “direito de visita”.
Na prática, esse direito vira um luxo de quem pode pagar para ver o próprio filho.

E aí entra o ponto que quase ninguém gosta de encarar:
muitos pais não somem por desinteresse, somem porque não têm grana para sustentar a guerra:

  • advogado é caro;
  • processo é demorado e exige tempo de trabalho, deslocamento, documentos;
  • cada ida à outra cidade é tanque cheio, pedágio, comida, às vezes estadia.

Tem pai que olha para o extrato bancário e pensa algo mais ou menos assim:

“Se eu viajar esse fim de semana, no outro eu não pago a luz.
Se eu contratar advogado, eu como o quê mês que vem?”

Tem pai que simplesmente não consegue ir ver o filho no próximo fim de semana, porque o dinheiro da pensão já saiu, as contas já comeram o resto, e a mudança unilateral de cidade transformou cada visita em uma pequena viagem que ele não tem como bancar.

Essa é a realidade feia, concreta, que não cabe nos discursos bonitos.

Quando o pai “desiste”: desistência de quê, exatamente?

Às vezes, quando se diz que o pai “abriu mão do convívio”, o que aconteceu foi algo assim:

  • anos de processos, audiências, idas e vindas;
  • tentativas de acordo sempre travadas por exigências impossíveis;
  • juiz repetindo o mantra do “melhor interesse da criança”, mas, na prática,
    normalizando o fato de que o pai só vê o filho se tiver dinheiro para bancar tudo.

Não é só um pai cansado emocionalmente.
É um pai que olha para o salário, para a pensão, para o preço da passagem, para o valor da consulta com o advogado, e percebe que a matemática não fecha.

Chega uma hora em que esse pai:

  • não suporta mais voltar do fórum derrotado;
  • não aguenta mais ouvir que “se você quisesse mesmo, dava um jeito”, como se dinheiro caísse do céu;
  • se culpa por não conseguir oferecer mais, ao mesmo tempo em que carrega a vergonha social do rótulo “pai ausente”.

E aí, por puro mecanismo de sobrevivência, ele se afasta.
Não porque ama menos, mas porque não consegue mais sustentar financeiramente a briga e a logística do afeto.

Na leitura exterior, fica simples: “tá vendo? desistiu.”
Na leitura interna, é devastador: “eu fracassei como pai, até financeiramente.”

A Justiça que finge não ver o óbvio

É curioso notar que o próprio discurso institucional reconhece que:

  • a criança tem direito a conviver com ambos os genitores;
  • a alienação parental é uma violência;
  • manter o vínculo é essencial para um desenvolvimento emocional saudável.

Mas, na prática, quando se trata de fazer valer esse discurso, muitas decisões empurram toda a responsabilidade pro pai:

  • “viaje, mesmo sem dinheiro;”
  • “contrate advogado, mesmo sem condições;”
  • “se vire com horários e custos, mesmo já pagando pensão e vivendo no limite.”

É uma espécie de lavagem de mãos sofisticada:
o Judiciário fala em igualdade de responsabilidades, mas tolera uma assimetria brutal de poder quando se trata de quem está com a guarda, com a criança e, principalmente, com a vantagem econômica de não precisar gastar para que o outro conviva.

E a mãe nesse cenário?

Este texto não é sobre demonizar mães.

Há mães absolutamente exaustas, sobrecarregadas, que acabam controlling o convívio não por maldade, mas por medo, trauma, cansaço, ou por terem sido, elas mesmas, vítimas de relações abusivas.

Também há pais violentos, controladores, que usam discurso de “direito de pai” para continuar o ciclo de abuso. Em casos assim, afastar é proteção, não injustiça.

O problema começa quando tudo é lido pela mesma lente:

  • qualquer conflito vira “potencial risco”;
  • qualquer queixa vira verdade quase absoluta;
  • qualquer limitação financeira do pai é traduzida como “desinteresse”.

É nessa zona cinzenta que moram muitos casos injustos. E, infelizmente, muita dor desnecessária.

O filho no meio da guerra

No fim do dia, o maior prejudicado não é o pai nem a mãe — é a criança.

Ela cresce:

  • ouvindo versões distorcidas (“seu pai não quer te ver”; “sua mãe não deixa eu te ver”);
  • aprendendo que amor vem sempre acompanhado de ameaça de perda;
  • com o coração dividido entre lealdade e saudade.

Anos depois, pode até reencontrar esse pai, entender melhor o que aconteceu, perdoar.
Mas o tempo perdido ninguém devolve.

E o pai que foi afastado, mesmo se reconstruir a relação lá na frente, nunca vai deixar de carregar a sensação de que roubaram pedaços da infância do filho – e, em muitos casos, que isso foi feito com o carimbo de um sistema que ignorou um detalhe básico: ele não tinha dinheiro para lutar mais.

E agora?

Esse texto não tem uma solução mágica.
Mas ele tem um incômodo que precisa ser dito:

Enquanto a Justiça continuar tratando o pai como suspeito padrão,
a mãe como guardiã incontestável
e o dinheiro como um “detalhe irrelevante”,
teremos cada vez mais pais desistindo da briga —
e crianças crescendo com metade da história afetiva amputada.

Isso não significa ignorar a violência contra mulheres.
Significa levar a sério, de verdade, o direito da criança de ter pai e mãe, o que inclui:

  • olhar com mais cuidado para casos de alienação parental;
  • parar de normalizar decisões que, na prática, impossibilitam o convívio por questões financeiras e geográficas;
  • entender que um pai sem dinheiro não é automaticamente um pai sem amor.

Se você é um pai nesse lugar

Se você lê isso e sente que o texto fala da sua vida:

  • você não é menos pai porque o sistema te esmagou;
  • você não é menos pai porque não consegue bancar todas as viagens que esperam de você;
  • você não é menos pai porque, neste fim de semana, simplesmente não tem dinheiro para ver o seu filho em outra cidade.

Sua dor é real, e não é frescura.

Procure ajuda:

  • jurídica, para tentar resgatar o mínimo de justiça possível;
  • emocional, com terapia, grupos de apoio, outros pais na mesma situação;
  • e, se em algum momento a ideia de “sumir” ou “acabar com tudo” aparecer, isso não é sinal de fraqueza, é sinal de sofrimento extremo – e merece ajuda imediata.

No Brasil, existe o CVV – Centro de Valorização da Vida, pelo telefone 188 (24 horas, ligação gratuita), além de serviços de emergência e redes de apoio locais. Pedir ajuda não diminui ninguém; às vezes é o único ato de coragem que mantém alguma coisa de pé.

Porque, no fim, apesar de tudo isso, ainda tem uma criança ali.
E, para ela, a presença de um pai vivo, imperfeito, limitado financeiramente, cansado, mas tentando, vale mais do que qualquer sentença bonita em papel timbrado.

Marcado:

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *